Este plano começou a ser traçado num usual encontro dos amigos do costume num dos últimos fins de semana ... «precisamos de fazer mais desporto...», diziam uns ... «isto de comermos que nem uns porcos e regarmos as jantaradas com os sumos do Baco e da cevada tem que ser devidamente (des)compensado com mais do que as usuais idas a natação», dizia eu em jeito de orientadora da «classe otária», qual agitadora de massas corporais, uma verdadeira «Madre Teresa do Já Não Dá» ... nos primeiros cinco minutos a coisa até parece que estava a pegar de estaca ... mas ... passados 10 minutos já toda a gente estava noutra sem me passar o mínimo cartão ... mas, espera ... no meio de toda esta indiferença restavam ainda três cabecitas voltadas para mim ... três pares de olhitos que me fitavam, três seres com um ar expectante ... afinal a minha capacidade de persuasão ainda não estava na rua da amargura, senti-me a rebentar de orgulho, pensei inclusivamente, e de forma megalómana, em enveredar por uma carreira política, tal era a minha capacidade de inflamar os ouvintes ... o mocho, o doninha e a vespa ainda pareciam estar, entre uma golada e outra nas canecas de cerveja, a fazer ressonância de algumas das minhas palavras ...
Tomei fôlego para continuar o meu discurso, durante não mais que 10 segundos ... o tempo suficiente para que o doninha adormecesse no sofá e o mocho se esquivasse de fininho ... o meu olhar percorreu num milésimo de segundo os 2 metros que me separavam da vespa ... eu não acredito, ela ainda está a olhar para mim ... era a minha única esperança, neste universo de preguiçosos e amantes de uma boa mesa, seguida por uma jogatana pela noite dentro.
«Então, Vespum, como é que é ???? vamos ou não comprar as raquetes de squash ????», resolvi fazer a pergunta assim a matar, para não lhe dar muito tempo para pensar ... «vamos sim !!!!», respondeu ela com um ar decidido, mas que denunciava algum receio pela forma ardente com que me ouvia falar !!!!
E se bem pensámos, melhor fizemos ... ai foram elas, uma semana depois, neste sábado à tarde para a Decatlon em busca das raquetes perdidas ...
Mexe daqui, procura dali, experimenta de acolá, e lá saíram as outras da Decatlon com um ar triunfante, com todos os materiais necessários para começar, no dia seguinte esta nova aventura desportiva até à data absolutamente desconhecida ...
Assim que me apanhei com o raquetum nas ganfarras fui possuída por uma vontade imensa de começar a jogar ... a vespa, que já me conhece de ginjeira, sorria como só os amigos tão bem sabem fazer quando vêem os outros felizes, se bem que conseguisse vislumbrar alguns laivos de arrependimento no seu rosto quando me via de raquete em punho a simular grandes jogadas contra o vento que se fazia sentir na altura, junto à Decatlon.
Combinámos no sábado à noite que a primeira a acordar na manhã de domingo ia imediatamente chamar a outra, pelo que a Vespa me disse, «bem, como já sei o que a casa gasta ... só te peço que não me acordes muito cedo...».
É claro que eu ia ser a primeira a acordar ... na excitação em que estava só faltava abrir um espaço na cama e dormir ao lado das raquetes !!!!
Chegou o grande dia ... domingo, um dia que não aprecio particularmente porque todas as pessoas ficam com ar «domingueiro», um ar que não consigo definir com perfeição mas com o qual não identifico ... como me recuso em absoluto a pôr os pés na praia aos domingos porque não tenho muito feitio para fazer de pecinha de puzzle, daquelas que precisam de pedir licença a 50 pessoas para arranjar um espacinho para se encaixar nos 15 cm de areia que a populaça lhe decide gentilmente conceder, acabo sempre por magicar outras opções, bem menos povoadas.
Por volta das 11 horas já eu estava com o dedão colado à campainha da Vespa, equipada a rigor, de laranja e preto, com um sorriso rasgado e um ar saudavelmente desportivo ... a Vespa abre a porta com o ar mais estremunhado desta vida e com o corpinho ainda morninho e acabado de sair directamente do colchão. Abriu aquilo que melhor conseguiu fazer assemelhar–se a um sorriso e disse-me a frase mágica ... «estou esganada de fome ...».
Lá fomos as duas tomar um pequeno almoço revigorante num café perto de casa para acumular as energias de que desconfiávamos ir precisar ...
Chegadas ao Inatel, em plena zona de Alvalade, estacionámos junto a uma das portas de entrada e dirigimo-nos ao segurança com o intuito de alugar o espaço que ia fazer de nós mulheres novas e saudáveis !!!!
«Pois é... mas é que antes de virem aqui têm que ir à secretaria comprar a senha...» disse-nos o segurança simpaticamente recolhido na sombra do seu guichet, enquanto nós, debaixo de um calor implacável do meio dia, olhávamos para o percurso que teríamos que fazer a pé para comprar a malfadada senha ... «olha, deixa lá, sempre serve de aquecimento...», dizia eu para consolar a Vespa ... e lá nos metemos ao caminho, o que equivale a dizer, lá atravessámos as instalações do Inatel de uma ponta à outra debaixo de um calor tão intenso que a cada passo que dávamos deixávamos sair uma gargalhada nervosa para ajudar a tornar mais leve o caminho.
Chegadas à sombrinha da secretaria eis que a Vespa reencontra um colega de faculdade e eu encontro uma amiga que já não via há anos... são momentos destes que nos fazem acreditar que não há coincidências ... saudades desfeitas era hora de erguer a cabeça e enfrentar o percurso de volta à porta da entrada para ir buscar as chaves do campo.
Eis-nos chegadas ao destino, já agastadas de tanto andar ... abrimos a porta, arrumámos as sacolas, pegámos nas raquetes ... e ai vão elas em direcção à parede que iria receber as boladas que estávamos na disposição de lhe dar ... quanto mais não fosse para descarregar a frustração depois da caminhada que fizemos.
A Vespa, logo na primeira jogada, e ainda entontecida pela caminhada e sequinha pelo calor que se fazia sentir, resolveu dar uma sticada tão forte na pobre da bola que teve que a ir buscar ao campo de ténis ao lado ... «isto começa bem ...» disse ela com um ar num misto de raiva e amargura ...
E lá foi ela, andar mais um bocadinho (já tinha andado pouquinho ...) ... eu mal a vi chegar, e com o entusiasmo de a rever, sorri-lhe e lá dei uma pancada mais alta ... e lá fui eu conhecer também o campo de ténis do lado... isso aconteceu-nos mais 5 ou 6 vezes a cada uma durante os 40 minutos que lá estivemos !!!!
Passados 30 minutos já estávamos as duas mais mortas que vivas ao ponto da Vespa se ter sentado com um ar transfigurado e me ter dito, baixinho, muito baixinho, porque as forças já não davam para mais «eh lá ... isto faz-nos bem heim...????»
Não se tem a mínima ideia do esforço que é necessário empregar para atirar a malfadada bola de encontro aquela parede ... a determinada altura as pernas já não queriam responder, os braços já tremiam do esforço, o suor escorria em bica, mas a sensação de concretizar uma vontade fazia-nos esquecer por momentos que parecíamos ter um bando de Rottweilers a morderem-nos os calcanhares !!!!
Saímos de lá depois de bebermos um litro de água cada uma e chegámos ao carro a sorrir. Pedi à Vespa que trouxesse o meu carro mas disse-lhe para ter cuidado e não adormecer ao volante porque no estado de cansaço em que estava podia ficar KO de um segundo para o outro !!!!
Foi uma manhã muito bem passada e uma experiência que vamos passar a repetir, pelo menos 3 ou 4 vezes por semana, porque, como diz a minha companheira de treinos ... «isto não há nada como continuar...» ... assim é que é, hajam mulheres de coragem e companheiras inseparáveis de aventura, como nós somos as duas ... bem podem vir paredes, raquetes e bolas que nós cá estaremos para contar como é !!!!
Não fosse o jantarinho hiper calórico que acabámos de ter na casa do Mocho e a garrafinha de BSE, deliciosamente gelada, que despejámos num ápice e tinha sido um dia desportivamente memorável...
Mas enfim, as coisas demasiado perfeitas também perdem a sua graça ...
Caracolinha Gastricamente Reconfortada